Joaquim
José da Silva Xavier – O Tiradentes
Nascido em uma fazenda no distrito
de Pombal, próximo ao arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, à época território
disputado entre as vilas de São João del-Rei e São José do Rio das Mortes, na
Minas Gerais. O local de nascimento é uma ironia da história. O Marquês de
Pombal foi arqui-inimigo de Dona Maria I contra a qual Tiradentes conspirou, e
que comutou as penas dos inconfidentes.
Joaquim José da Silva Xavier era
filho do reinol Domingos da Silva Santos, proprietário rural, e da brasileira
Maria Antônia da Encarnação Xavier, tendo sido o quarto dos sete filhos.
Em 1755, após o falecimento da
mãe, segue junto a seu pai e irmãos para a sede da Vila de São José; dois anos
depois, já com onze anos, morre seu pai. Com a morte prematura dos pais, logo
sua família perde as propriedades por dívidas. Não fez estudos regulares e
ficou sob a tutela de um padrinho, que era cirurgião. Trabalhou como mascate e
minerador, tornou-se sócio de uma botica de assistência à pobreza na ponte do
Rosário, em Vila Rica ,
e se dedicou também às práticas farmacêuticas e ao exercício da profissão de
dentista, o que lhe valeu a alcunha Tiradentes, um tanto depreciativa. Não teve
êxito em suas experiências no comércio.
Com os conhecimentos que adquirira
no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na
exploração dos seus recursos. Começou a trabalhar para o governo no
reconhecimento e levantamento do sertão brasileiro. Em 1780, alistou-se na
tropa da Capitania de Minas Gerais; em 1781, foi nomeado comandante do
destacamento dos Dragões na patrulha do "Caminho Novo", estrada que
servia como rota de escoamento da produção mineradora da capitania mineira ao
porto Rio de Janeiro. Foi a partir desse período que Tiradentes começou a se
aproximar de grupos que criticavam a exploração do Brasil pela metrópole, o que
ficava evidente quando se confrontava o volume de riquezas tomadas pelos
portugueses e a pobreza em que o povo permanecia. Insatisfeito por não
conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto de
alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a função de
comandante da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da cavalaria em 1787.
Morou por volta de um ano na
cidade carioca, período em que idealizou projetos de vulto, como o bondinho do
pão-de-açucar e a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para a melhoria do
abastecimento d'água no Rio de Janeiro; porém, não obteve aprovação para a
execução das obras. Esse desprezo fez com que aumentasse seu desejo de
liberdade para a colônia. De volta às Minas Gerais, começou a pregar em Vila Rica e arredores, a
favor da independência daquela província. Organizou um movimento aliado a
integrantes do clero e da elite mineira, como Cláudio Manuel da Costa, antigo
secretário de governo, Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da comarca, e Inácio
José de Alvarenga Peixoto, minerador. O movimento ganhou reforço ideológico com
a independência das colônias estadunidenses e a formação dos Estados Unidos da
América. Ressalta-se que, à época, oito de cada dez alunos brasileiros em
Coimbra eram oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à elite regional acesso
aos ideais liberais que circulavam na Europa.
O Movimento
Além das influências externas,
fatores regionais e econômicos contribuíram também para a articulação da
conspiração nas Minas Gerais. Com a constante queda na receita provincial,
devido ao declínio da atividade da cana de açucar, a administração de Martinho
de Melo e Castro instituiu medidas que garantissem o quarto, imposto que
obrigava os moradores das Minas Gerais a pagar, anualmente, cem arrobas de
prata, destinadas à Real Fazenda. A partir da nomeação de Antonio da Cunha
Meneses como governador da província, em 1782, ocorreu a marginalização de
parte da elite local em detrimento de seu grupo de amigos. O sentimento de
revolta atingiu o máximo com a decretação da derrama, uma medida administrativa
que permitia a cobrança forçada de impostos atrasados, mesmo que preciso fosse
confiscar todo o dinheiro e bens do devedor, a ser executada pelo novo
governador das Minas Gerais, Luís Antônio Furtado de Mendonça, 6.º Visconde de
Barbacena (futuro Conde de Barbacena), o que afetou especialmente as elites
mineiras. Isso se fez necessário para se saldar a dívida mineira acumulada,
desde 1762, do quinto, que à altura somava 538 arrobas de ouro em impostos
atrasados.
O movimento se iniciaria na noite
da insurreição: os líderes da "inconfidência" sairiam às ruas de Vila
Rica dando vivas à República, com o que ganhariam a imediata adesão da
população. Porém, antes que a conspiração se transformasse em revolução, em 15
de março de 1789 foi delatada aos portugueses por Joaquim Silvério dos Reis,
coronel, Basílio de Brito Malheiro do Lago, tenente-coronel, e Inácio Correia
de Pamplona, luso-açoriano, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda.
Anos depois, por sua delação e outros serviços prestados à Coroa, Silvério dos
Reis receberia o título de Fidalgo.
Entrementes, em 14 de março, o
Visconde de Barbacena já havia suspendido a derrama o que de esvaziara por
completo o movimento. Ao tomar conhecimento da conspiração, Barbacena enviou
Silvério dos Reis ao Rio para apresentar-se ao vice-rei, que imediatamente (em
7 de maio) abriu uma investigação (devassa). Avisado, o alferes Tiradentes, que
estava em viagem licenciada ao Rio de Janeiro escondeu-se na casa de um amigo,
mas foi descoberto ao tentar fazer contato com Silvério dos Reis e foi preso em
10 de maio. Dez dias depois o Visconde de Barbacena iniciava as prisões dos
inconfidentes em Minas.
Representação da Bandeira Original dos
Inconfidentes
( Imagem coletada de: http://blogdojeziel.blogspot.com/2007_04_01_archive.html).
Dentre os inconfidentes,
destacaram-se os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da Silva e
Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de
Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões, os coronéis Domingos de Abreu
Vieira e Joaquim Jose dos Reis (um dos delatores do movimento), os poetas
Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio
Gonzaga, ex-ouvidor.
Os principais planos dos
inconfidentes eram: estabelecer um governo republicano independente de
Portugal, criar manufaturas no país que surgiria, uma universidade em Vila Rica e fazer de São
João del-Rei a capital. Seu primeiro presidente seria, durante três anos, Tomás
Antônio Gonzaga, após o qual haveria eleições. Nessa república não haveria
exército – em vez disso, toda a população deveria usar armas, e formar uma
milícia quando necessária. Há que se ressaltar que os inconfidentes visavam a
autonomia somente da província das Minas Gerais, e em seus planos não estava
prevista a libertação dos escravos africanos, apenas daqueles nascidos no
Brasil.
A Bandeira dos Inconfidentes
Liberdade Ainda que Tardia
Liberdade ainda que tardia é a
tradução mais comumente dada ao dístico em latim Libertas Quæ
Sera Tamen, proposto pelos inconfidentes para marcar a bandeira da república
que idealizaram, na Capitania de Minas Gerais, no Brasil do final do século
XVIII.
A expressão em latim acabou sendo
aproveitada para adornar a bandeira do estado em que a capitania das Minas Gerais
se tornou, já no século XIX, e foi isso que manteve a frase viva até os tempos
atuais. No entanto, muitos dos latinistas modernos criticam a correção do uso
da frase.
Representação da bandeira dos Inconfidentes
tal como ficou conhecida na História.
Origem do Texto em Latim
O texto em latim foi retirado da primeira Écloga de Virgílio.
Faz ela parte do diálogo entre Melibeu
e Títiro,
inserida no seguinte trecho:
"Et quae tanta fuit Romam tibi causa videnti?""Libertas, quae sera tamen, respexit inertem,
(Candidior postquam tondenti barba cadebat,
Respexit tamen et longo post tempore venit,
Postquam nos Amaryllis habet, Galatea reliquit.").
Polêmica da Tradução
Há um certo consenso na tradução
da pergunta de Meliboeus. A tradução seria: "E qual foi o forte motivo
para visitares Roma?" Mas há divergências na tradução da resposta de
Tityrus. Para alguns a melhor tradução seria: "A Liberdade, que embora
tardia, contudo, olhou favoravelmente para mim, inerte." Para outros
seria: "A Liberdade que, mesmo tardia, olhou, contudo, inerte para
mim." Ou: "A Liberdade que, embora tardia, contudo olhou
favoravelmente para mim, que nada fiz." Ou ainda: "A liberdade que
tardia, todavia, apiedou-se de mim, na minha inércia".
Em polêmico artigo escrito em 1979
na revista Veja [1], o escritor Millôr Fernandes sustentou que, se o sentido
buscado era "liberdade ainda que tardia", o texto em latim deveria
ser apenas "libertas quae sera", já que, conforme explicou Paulo
Rónai [2], "devido à força da condensação da língua latina, ao simples
adjetivo sera já cabe valor adversativo: embora tardia."
De acordo com Deonísio da Silva
[3], uma tradução isenta do dístico dos inconfidentes seria "a liberdade
que tardia, todavia...", o que evidentemente não faz sentido.
Mas é possível defender a intenção
original. Sabemos que a frase dos inconfidentes, proposta para a sua bandeira,
foi sugerida por Alvarenga Peixoto e aprovada por Cláudio Manuel da Costa e
Tomás Antônio Gonzaga, todos notáveis latinistas que dificilmente cometeriam um
erro na tradução do verso de Virgílio, cuja primeira Écloga sempre foi uma obra
muito conhecida através dos séculos. Muito provavelmente, a leitura que fizeram
do verso do poeta latino tenha sido: "A Liberdade que, mesmo tardia, ainda
me olhou inerte". Porém essa frase não fazia sentido aos propósitos que
queriam e tiveram que introduzir um corte, o que, para muitos, teria resultado
numa mutilação que deixou o original de Virgílio sem sentido.
A tradução oficial da frase
"Libertas Quae Sera Tamen" estampada na bandeira mineira seria
"Liberdade ainda que tardia", tradução essa que conta com o apoio
pacífico da maioria dos latinistas. De fato, consultando-se qualquer bom
dicionário de latim e examinado cada uma das palavras fora do contexto do
verso, chega-se literalmente e sem dificuldades à tradução oficialmente
chancelada pelas autoridades do estado de Minas Gerais. Certamente os poetas
inconfidentes também estavam convencidos de que a frase, mesmo sendo uma
mutilação, traduzia, com toda a propriedade, a intenção poética de Virgílio.
Julgamento e Sentença
Negando a princípio sua
participação, Tiradentes foi o único a, posteriormente, assumir toda a
responsabilidade pela "inconfidência", inocentando seus companheiros.
Presos, todos os inconfidentes aguardaram durante três anos pela finalização do
processo. Alguns foram condenados à morte e outros ao degredo; algumas horas
depois, por carta de clemência de D. Maria I, todas as sentenças foram
alteradas para degredo, à exceção apenas para Tiradentes, que permaneceu com a
pena capital, porém não por morte cruel como previam as Ordenações do Reino:
Tiradentes foi enforcado.
Os réus foram sentenciados pelo
crime de "lesa-majestade", definida, pelas ordenações afonsinas, como
traição contra o rei. Crime este comparado à hanseníase pelas Ordenações
Afonsinas:
-“Lesa-majestade quer dizer
traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é tão grave e
abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que o
comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem
nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos
que ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o erro de
traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha
descendem, posto que não tenham culpa.”
Por igual crime de lesa-majestade,
em 1759, no reinado de D. José I de Portugal, a família Távora, no processo dos
Távora, havia padecido de morte cruel.
Em parte por ter sido o único a
assumir a responsabilidade, em parte, provavelmente, por ser o inconfidente de
posição social mais baixa, haja vista que todos os outros ou eram mais ricos,
ou detinham patente militar superior. Por esse mesmo motivo é que se cogita que
Tiradentes seria um dos poucos inconfidentes que não era tido como maçom.
E assim, numa manhã de sábado, 21
de abril de 1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas do centro da cidade
do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde fora armado o
patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa demonstração de
força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A leitura da sentença
estendeu-se por dezoito horas, após a qual houve discursos de aclamação à
rainha, e o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por toda a tropa
local. Bóris Fausto aponta essa como uma das possíveis causas para a
preservação da memória de Tiradentes, argumentando que todo esse espetáculo
despertou a ira da população que presenciou o evento.
Executado e esquartejado, com seu
sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a sentença, tendo sido
declarados infames a sua memória e os seus descendentes. Sua cabeça foi erguida
em um poste em Vila Rica ,
tendo sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada; os demais restos
mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo: Santana de Cebolas (atual
Inconfidência, distrito de Paraíba do Sul), Varginha do Lourenço, Barbacena e
Queluz (antiga Carijós, atual Conselheiro Lafaiete), lugares onde fizera seus
discursos revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao
terreno para que nada lá germinasse.
A leitura da sentença de Tiradentes (óleo sobre tela de Leopoldino Faria).
Legado
Tiradentes permaneceu, após a
Independência do Brasil, uma personalidade histórica relativamente obscura,
dado o fato de que, durante o Império, os dois monarcas, D. Pedro I e D. Pedro
II, pertenciam à casa de Bragança, sendo, respectivamente, neto e bisneto de D.
Maria I, quem havia emitido a sentença de morte de Tiradentes. Foi a República
– ou, mais precisamente, os ideólogos positivistas que presidiram sua fundação
– que buscaram na figura de Tiradentes uma personificação da identidade
republicana do Brasil, mitificando a sua biografia. Daí a sua iconografia
tradicional, de barba e camisolão, à beira do cadafalso, vagamente assemelhada
a Jesus Cristo e, obviamente, desprovida de verossimilhança. Como militar, o
máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto bigode. Na prisão,
onde passou os últimos três anos de sua vida, os detentos eram obrigados a
raspar barba e cabelo a fim de evitar piolhos. Também, o nome do movimento,
"Inconfidência Mineira", e de seus participantes, os
"inconfidentes", foi cunhado posteriormente, denotando o caráter
negativo da sublevação – inconfidente é aquele que trai a confiança.
Tiradentes nunca se casou, mas
teve dois filhos: João, com a mulata Eugênia Joaquina da Silva, e Joaquina, com
a ruiva Antônia Maria do Espírito Santo, que vivia em Vila Rica. Atualmente ,
foi concedida à sua tetraneta Lúcia de Oliveira Menezes, por meio da Lei
federal 9.255/96, uma pensão especial do INSS no valor de R$ 200,00, o que
causou polêmica sobre a natureza jurídica deste subsídio, mas solucionado pelo
STF no agravo de instrumento 623.655. [2]
Atualmente, onde se encontrava sua
prisão foi erguido o Palácio Tiradentes; onde foi enforcado ora se encontra a
Praça Tiradentes e onde sua cabeça foi exposta fundou-se outra Praça
Tiradentes. Em Ouro Preto ,
na antiga cadeia, hoje há o Museu da Inconfidência. Tiradentes é considerado
atualmente Patrono Cívico do Brasil, sendo a data de sua morte, 21 de abril,
feriado nacional. Seu nome consta no Livro de Aço do Panteão da Pátria e da
Liberdade, sendo considerado Herói Nacional.
Bibliografia: